A FONTE DA ETERNA INFÂNCIA
Quando criança aprendi
a ler e a nadar com muita facilidade e as duas coisas, me davam tamanho prazer,
que eu me arriscava nas corredeiras do rio Capivari e sem medir os riscos
saltava de grandes alturas mergulhando nas revigorantes de suas águas e muitas
vezes lia, gostava, mas ainda não compreendia.
Por exemplo, com
apenas nove anos li e guardei na memória, embora não tenha compreendido:
- “Não se banha
duas vezes no mesmo rio”
A natureza
entalhou nas rochas da montanhosa cidade, um estreito e profundo canal, as
águas limpas do rio formavam revoltas e espumantes corredeiras, onde eu e meus
amigos nos atirávamos e ao longo do agitado rio, íamos nos divertindo,
observando seus belos afluentes e sua mata ciliar rica e diversa, dentro da
minha ingenuidade de criança, desafiei a filosofia, entrava na água duas vezes
seguidas para provar que podia me banhar duas vezes no mesmo rio.
O rio que
simbolicamente corta a pequena cidade ao meio embalou minha infância e esculpiu
minha adolescência, e de centenas de outros indivíduos. Foi nas suas brancas
areias que flertei com garotas e foi sobre a ponte que ele testemunhou meu
primeiro beijo.
Por motivos profissionais, me mudei para outro
estado e por longos anos fiquei sem ver o Capivari, mas nunca consegui deixar
de pensar nele um único dia. A saudade que somente pode ser escrita na língua
portuguesa, mas que com certeza é um sentimento presente em todo ser humano que
ama, levou-me inevitavelmente de volta a minha pequena cidade e ao rio e suas
cachoeiras encantadas.
Apesar da cidade
não ter mudado muito, causou algumas mudanças no rio. O aproveitamento agrícola
de suas águas na irrigação, a destruição de sua mata ciliar, o uso
indiscriminado de agrotóxicos, a extração de areia por meio de dragas, lhe
trouxeram contaminação e redução de seu volume de água.
Sentado a beira do
penhasco, observo o ainda vivo Capivari, que parece me pedir socorro, levando-me a recordar da frase e a
compreendê-la da maneira mais profunda e concreta, não sou mais o sonhador menino que o rio ajudou a criar e ele que
embalou tantos sonhos, vive agora um pesadelo, não compartilhado pelos que dele
se utilizam e não retribuem a gentileza.
No curso do
inavegável rio, faço uma viagem que me transporta as diversas fases da minha
vida. Será que o rio que oferece vida e energia a pequena cidade, que a divide
para uni-la e embalou tantas infâncias, é agora recortado pela estupidez humana
e está condenado a morte?
Nas cachoeiras
espumantes, que quando menino eu via gotas de águas que brilhavam como
diamantes ao sol, que imaginava seres mitológicos escondidos em suas águas, eu agora
vejo lágrimas de um inocente que ainda com o movimento de suas águas revoltas,
murmura ruidosamente por socorro.
Eu que já tive
tantas indagações respondidas pelo rio, que me sacio de sua inesgotável fonte,
sinto-me impotente diante do único pedido que ele me fez durante toda minha
existência!
Prof. Gílberte
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